quarta-feira, 29 de abril de 2009

A gestão da violência, por Márcia Denser. O CLARO: A sociedade que enseja a Classe Trabalhadora é a mesma que forja os criminosos?

Direto da Fonte do Congresso Em Foco
24/04/2009 - 07h31

A gestão da violência
http://congressoemfoco.ig.com.br/coluna.asp?cod_canal=14&cod_publicacao=27945

Márcia Denser*

Examinando as estreitas conexões entre política, técnica e violência, presentes na atualidade, retornamos a um texto de Maria Célia Paoli[1] que esclarece como a tensão entre esses três elementos remete irreversivelmente ao campo da gestão das relações sociais e políticas, ou seja, aos “mundos gerenciados” pelos poderes constituídos cujo objetivo é abolir toda e qualquer dimensão que dê espaço à manifestação popular.

A questão social hoje retrata o mundo dos excluídos como forma de vida que ocorre na exceção: a existência de um contexto político marcado pela exceção de fato na ordem jurídica implica na exposição de pessoas a uma violência que a lei não pode conhecer, o que requer tecnologias que tornam admissível a negação dos direitos e a invisibilidade em que são jogados os deserdados do sistema.

Estudos apontam que, para além de uma situação de pobreza e desemprego, a destruição sistemática dos meios de sobrevivência e trabalho, daí a condição descartável dos próprios trabalhadores, se integra – e esse é o ponto – à normalidade da vida na cidade. Tal condição não é passageira, mas se constitui um destino certo: antes até de tentarem entrar no mercado de trabalho, muitos migrantes vêm para a cidade já como moradores de rua. Essa população marginalizada, confinada numa espécie de campo de concentração, isolada e sem perspectivas, vive num estado de “guerra civil não declarada” tecendo o contexto de violência crônica ao qual não escapa uma dimensão de “justiça social direta” de quem sempre foi vítima de todas as violências e repressões.

Mas a violência inscreve-se, desde sempre, na desigualdade distributiva do país, de modo que a “distribuição do bolo é feita à bala”, daí que a “regulação pela violência” divide com “a gestão monitorada dos indivíduos” a manutenção da ordem. Por outro lado, a violência também se deve à falência das instituições legais do país, algo comprovado pelas chacinas. Gestão técnica do social, violência, territórios de refugiados urbanos – eis o mundo já interpretado sob o critério do medo e da aspiração pela segurança. No entanto, segundo Rancière, “a insegurança não é um conjunto de fatos, é um modo de gestão da vida coletiva (grifo meu), que permite a associação do Estado gestor com o Estado policial: um retorno ao arcaico, produzido pelo abandono estatal das regulações sociais e pela completa liberdade do capital”.

Aliás, é Chico de Oliveira[2] quem desfaz, entre outras, a tolice neoliberal de que estaríamos vivendo num contexto de “Estado mínimo”: na verdade a intervenção do Estado jamais encolheu, mas sim sua direção e sentido ao privilegiar o capital em nome de modelos econômicos incompreensíveis diante não só das condições de vida da população, como da possibilidade dum outro caminho de desenvolvimento. Na base da tecnocratização do governo, há o fato de a política ter sido engolida pela economia, e o efeito da anulação da política torna o país ingovernável.

Para Oliveira, a hegemonia – no sentido gramsciano de “direção moral da sociedade” – é quase impossível, em razão da enorme desigualdade: “Um intransponível fosso entre as classes torna uma quimera qualquer experiência comum no espaço público, que aliás se privatiza de forma acelerada. Escolas de elite, hospitais de grife, mais de duzentos helipontos em São Paulo (enquanto Nova York tem apenas quatro), condomínios-gueto, polícias privadas cujos efetivos superam a soma das polícias públicas e das Forças Armadas.”

Sendo simbólica, a hegemonia não pode se configurar sem um mínimo de igualdade. O fosso da desigualdade na sociedade brasileira sendo abissal já não pode ser transposto apenas simbolicamente. A esse estado de coisas, os dominados respondem com a violência privada: alcança-se pelo crime aquilo que a impossibilidade da igualdade já negou.


[1] In A Era da Indeterminação, org. Francisco de Oliveira e Cibele Rizek, pgs 222. São Paulo,Boitempo, 2007.
[2] Idem acima, pgs 282.

*A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), Toda Prosa (2002) e Caim (2006). Participou de várias antologias importantes no Brasil e no exterior. Organizou três delas - uma das quais, Contos eróticos femininos, editada na Alemanha. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura brasileira contemporânea, jornalista e publicitária.

Um comentário:

O CLARO disse...

Fernando Claro (28/04/2009 - 23h33)

Cara Márcia Denser, tudo bem?

Estou perfeitamente de acordo com seu artigo e suas constatações e/ou conclusões. Este é um tema que conheço razoavelmente bem não ao ponto de dominá-lo.

Assim fico a me perguntar se há equívoco em pensar e formular a seguinte pergunta: A sociedade que engendra a Classe Trabalhadora não é a mesma que forja os excluídos e, portanto, os delinqüentes?

Uma sociedade se faz e que se quer minimamente humana através e pelo suor e sangue da Classe Trabalhadora e não por iniciativas pessoais de ataques ao patrimônio e às pessoas para satisfação própria, como a caríssima mesma diz, “num estado de guerra civil não declarada”, portanto sem ideologia e sem a proposta de mudar o sistema cruel que os exclui, e que, também, exclui e empurra a classe trabalhadora para a um estado de provação moral, de abandono, diante de tanta humilhação e ofensa, sem que estes quebrem o pacto laboral e invadam a esfera do patrimônio alheio para adquirir algo. Estamos diante de verdadeiras e históricas negações de direitos aos trabalhadores por parte deste Estado Democrático de Direito, tal com falta de moradia digna, ausência de saneamento público, falta e precariedade na assistência médica e odontológica – mesmo sem dentes, continuam na linha de produção, na cadeia produtiva e não no sistema carcerário, e não se vendem como dizem alguns, por próteses dentárias, além de não delinqüir e não avançar no que é do alheio.

Assim não vejo como se sustenta o afirmar que, sic: “alcança-se pelo crime aquilo que a impossibilidade da igualdade já negou”. Talvez, a anomia seja a expressão do Estado Mínimo Democrático de Direito, corroborada por um segmento dito progressista que flerta mais com a carência de direitos humanos dentro do sistema penal do que dentro das relações de trabalho. Já foi tempo em que se lutavam pelos legítimos e justos direitos dos Trabalhadores.

Há décadas, o que vemos, são vários advogados, sem procuração a patrocinar a causa dos delinqüentes e suas malditas celas, mas não quem se levante contra as péssimas condições de vida de quem produz!

Com toda certeza é inadmissível o paroxismo do Poder Paralelo que fica a ditar o que deve ou não, o que pode ou não e se temos direito à vida ou não!

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